Segredos das músicas dos Beatles

Parte III – A HARD DAY`S NIGHT

Por Vladimir Dantas

O terceiro álbum dos BEATLES nasceu bem diferente dos dois primeiros. Please, Please Me é quase um disco ao vivo de estúdio, produzido em apenas um dia, com músicas que eles já executavam em shows em Liverpool e Hamburgo.  With The Beatles teve maiores cuidados na produção, uma vez que o objetivo era capitalizar o sucesso que já despontava.

A repercussão do grupo em 63 levou ao inevitável esquema de filme +disco, tão utilizado por Elvis (com  resultados danosos para sua carreira, musicalmente falando). Felizmente não foi explorado com profundidade pelos BEATLES. Os filmes se constituíram numa experiência a ser explorada, mas não uma forma artística única ou limitante de sua criatividade.

A Hard Day’s Night (no Brasil Os Reis do Iê Iê Iê – com capa em vermelho no original de 64) se constituiu no primeiro disco unicamente de canções compostas pelo próprio grupo,  e o único com apenas canções de Lennon & McCartney. A parceria de John e Paul neste disco mostra um domínio total de John, indicando que nestes tempos iniciais havia uma relação de líder x liderado muito marcante. Apenas dois anos mais tarde Paul iria inverter estes papéis.

Das treze canções do álbum, dez são dominadas por John como o principal compositor (incluindo a faixa destinada ao vocal de George). Outro fato a ser destacado em A Hard Day`s Night é que ele é também  o único álbum original inglês que não contém nenhum vocal de Ringo.

Curiosidade: Consta que o título para o filme e álbum foi tirado de um comentário que Ringo teria feito após um dia exaustivo de trabalho. John já havia se utilizado da mesma expressão em uma de suas histórias (“Sad Michael”) do livro In His Own Write, editado em 23 de março de 64. Talvez Ringo tenha lido isso recentemente e ao se utilizar da expressão, inspirou John a compor a música titulo.

A HARD DAY’S NIGHT

O uso da guitarra de doze cordas e, em particular, o arpejo ao final desta gravação iriam influenciar sobremaneira o grupo The Byrds. Esta música foi composta, arranjada, ensaiada e gravada em pouco mais de 24 horas, no dia 16 de abril de 64.

Paul faz os vocais nas passagens mais altas porque John não conseguia  atingir as notas (explicações do próprio John anos mais tarde).

I SHOULD HAVE KNOWN BETTER

John quis utilizar a gaita de forma parecida a Bob Dylan. Esta composição tem uma característica otimista que não foi marca do trabalho normal de John.

IF I FELL

John: “Esta foi minha primeira tentativa de escrever realmente uma balada. Ela é precursora de ‘In My Life’.  Ela tem algo de autobiográfica de forma não consciente, no entanto”.

Paul faz as altas harmonias, porém na versão estéreo sua voz “acaba” na segunda passagem da frase “our love was in vain”, exatamente na palavra vain. Nesta mesma versão estéreo a voz de John é dobrada nos versos iniciais.

I’M HAPPY JUST TO DANCE WITH YOU

John compôs esta para que George tivesse seu “momento” no filme. George ainda não havia desenvolvido sua habilidade como compositor e não tinha nenhuma canção que John e Paul considerassem boa o suficiente para o disco. Mais tarde, quando ele se aprimorou, acabou por ficar ressentido pelo pouco espaço para as suas músicas. John, em uma entrevista de 80, também ficou ressentido por George, em seu livro I Me Mine, não dar qualquer destaque à sua contribuição ao seu desenvolvimento como compositor.

 A guitarra parece ter sido inspirada em Bo Diddley.

AND I LOVE HER

Paul escreveu esta balada tendo como inspiração seu início de relação com Jane Asher.

 Os ensaios de gravação iniciais foram utilizando a formação normal do grupo, com guitarra e bateria (vejam Anthology 1), mas em seguida passaram à versão mais acústica que se oficializou. `And I Love Her` é também uma das músicas que apresentam diferenças entre as versões estéreo e mono, particularmente na dobra dos vocais de Paul. John disse que `And I Love Her` foi o “primeiro Yesterday” de Paul.

TELL ME WHY

John:  “Eles precisavam de mais uma canção para o filme, eu então rapidamente fiz `Tell Me Why`. Esta é apenas uma música ao estilo dos grupos femininos de New York”.

Embora a letra da música tenha uma forma simples, já mostra um lado típico de John: “Ele foi enganado e abandonado. Está chorando. Ele pede que a garota diga o que foi que ele fez de errado para que ele possa consertar”. Estas preocupações  viriam a se tornar objeto de trabalhos mais profundos mais tarde: `Mother`, `My Mummy’s Dead’, `Isolation`. Todas do primeiro disco solo de John.

CAN’T BUY ME LOVE

Esta composição de Paul foi a primeira faixa do disco a ser gravada.  A parte principal foi gravada em Paris em janeiro de 64, bem antes do início das filmagens.

Quando foi lançado em 16 de março de 64, este foi o primeiro compacto dos BEATLES a ter um único cantor solo. ‘Can’t Buy Me Love` também apresenta o primeiro solo de George reconhecidamente memorável. George Martin durante os ensaios sugeriu que a gravação começasse pelo refrão.  lsto trouxe um charme adicional, atuando como uma introdução.

Curiosidade: A lista dos cem sucessos da revista Billboard de 4 de abril de 64 trazia: n. 1.’Can’t Buy Me Love`, n. 2. `Twist and Shout’, n. 3. `She Loves You`, n.4.`I Want To Hold Your Hand`, n.5. `Please Please Me` e mais: `I Saw Her Standing There`,  `From Me to You’, `Do You Want to Know a Secret `, `All My Loving`, `You Can’t Do That`, `Roll Over Beethoven` e  `Thank You Girl`.

ANY TIME AT ALL

Nesta composição de John, Paul contribuiu com a passagem em crescendo ao piano. George já mostra também seu influente trabalho de guitarra, que viria a se destacar definitivamente em Help! e Rubber Soul.

`Any Time At All` tem um vigor adicional promovido pela bateria de Ringo e um vocal shout de John, garantindo um perfeito rocker.

I’LL CRY INSTEAD

Esta música estava destinada para a cena do filme em que os quatro correm e saltam soltos em um campo, mas o diretor Richard Lester preferiu `Can’ Buy Me Love`por esta ter mais energia. Composta por John. Tem um grande sabor de country & western.

THINGS WE SAID TODAY

Paul escreveu esta enquanto estava de férias nas Bahamas junto com Jane Asher, Ringo e Maureen, a bordo de um iate alugado chamado Happy Days.

WHEN I GET HOME

John faz algo com o estilo de Wilson Pickett  deliberadamente, pois sempre demonstrou admiração pela soul music,  chegando a dizer certa vez que uma das músicas que gostaria de ter escrito era `Can`t I Get a Witness` de Marvin Gaye. Outra canção  com visão otimista não comum a John.

YOU CAN’T DO THAT

Outra influência  de Wilson Pickett,  segundo o próprio John. O solo de guitarra é de John:  “Eu nunca toco nada como lead-guitarist  que George não faça melhor, mas eu gosto de tocar lead de vez em quando”. John toca sua nova Rickenbacker.

Existe também na gravação um dos melhores suportes vocais de Paul e George do tipo resposta à voz principal.

I’LL BE BACK

Esta sempre foi  uma das favoritas de John. Ela foi inspirada pela estrutura de `Runaway` de Del Shannon, sucesso em 1961. Os Beatles  e Del Shannon se apresentaram juntos em Londres no Royal Albert Hall (18 de abril de 63) e nesta ocasião se entenderam a ponto de Del Shannon ser responsável pela primeira gravação de um original de Lennon & McCartney nos EUA: `From Me to You`.

(Revolution, São Paulo, ano 1, n.3, p. 56-57, fev. 96)

Segredos das músicas dos Beatles

Nos anos 90, o fã clube Revolution, de Marco Antonio Mallagoli, publicou sete revistas  de enorme repercussão entre os beatlemaníacos, intituladas REVOLUTION.

As edições, dedicadas exclusivamente aos Beatles, ainda estão disponíveis na página oficial do fã clube: revolution9.com.br.

Na revista # 1, de dezembro de 1995, Marco deu início à série de matérias sobre “Os Segredos das Músicas dos Beatles”, abordando o LP “PLEASE PLEASE ME”.

Passaremos a transcrever as matérias das edições seguintes, as quais contaram com a nossa colaboração.

OS SEGREDOS DAS MÚSICAS DOS BEATLES – Parte II

Por Vladimir Dantas com excertos de Marco Antonio Mallagoli

O segundo LP dos BEATLES chamou-se WITH THE BEATLES, e é com ele que vamos dar sequência à nossa série, onde você fica sabendo tudo o que envolveu a composição das músicas, song by song. Quais as inspirações e os motivos que levaram os BEATLES a compor cada uma das músicas.

IT WON’T BE LONG

Os Beatles aqui confirmam o refrão yeah, yeah, yeah que viria a se tornar sua marca registrada.

História: Esta foi a primeira música cantada ao vivo por Neil Young em seu início de carreira, e foi escrita por John como uma tentativa de fazer o compacto de sequência a “She Loves You”.

ALL I`VE GOT  TO DO

John Lennon: “Esta música sou eu tentando fazer  algo como Smokey Robinson.  Os Beatles estavam sempre achando que eram Smokey Robinson”.

Assim como ‘It Won’t be Long’, esta música nunca foi tocada ao vivo pelos Beatles.

ALL MY LOVING

Paul McCartney:  “Esta foi a primeira canção que escrevi em que eu fiz a letra, antes da música.”  

John Lennon: “Esta é de Paul, eu sinto dizer… porque é um trabalho danado de bom… mas eu toco uma bela guitarra base por trás.”

Esta foi também a primeira canção que Paul compôs tendo Jane Asher como inspiração.

DON’T BOTHER ME

George Harrison: “Foi a primeira música que escrevi.  Eu estava na cama do hotel em Bournemouth (Inglaterra) meio enjoado, e acho que é por isso que saiu `Don’t Bother Me(`Não me amole’). Eu escrevi  esta música como um exercício para saber se eu era capaz de compor”.

LITTLE CHILD

Exemplo da perfeita colaboração entre John e Paul, típica desta fase inicial. John afirmou mais tarde que esta musica foi composta, tendo em  mente dar para Mike Hurst gravar.

TILL THERE WAS YOU

Música escrita em 1957 para o musical da Broadway The Musical Man.

Paul conheceu esta música a partir da gravação de Peggy  Lee, uma de suas cantoras prediletas. Aqui fica antecipado claramente o estilo eclético que Paul viria a demonstrar em todo o desenvolvimento de sua carreira.

PLEASE MR. POSTMAN

Originalmente gravada pelo grupo feminino The Marvelettes, em 1961.

Paul: “Nós gravamos esta influenciados pelos nossos fãs, que escreviam nos envelopes das cartas: Posty, Posty, don’t be slow, be like the Beatles and go, man, go! (Carteirinho, carteirinho, não demora, seja como os Beatles e vá logo embora!)”.

ROLL OVER BEETHOVEN

Original de Chuck Berry de 1956.

Desde o início os Beatles tocaram esta canção em seus shows.  Até 1961 era John quem fazia o vocal principal!

HOLD ME TIGHT

Esta música foi gravada para inclusão no primeiro disco, porém ficou de fora e foi então regravada para o segundo álbum (será que existe esta primeira versão para ser lançada em algum Anthology?).

Musicalmente a influência aqui é do grupo Shirelles. Os Beatles sempre gostaram muito do tipo de harmonia dos grupos vocais femininos como: Chiffons, Donays. Crystals, Ronettes.

YOU REALLY GOT A HOLD ON ME

Original de Smokey Robinson and The Miracles, em 1962.

Os Beatles trocaram o arranjo para sax, do original, por um arranjo para guitarras. Nesta gravação quem faz as harmonias para a voz principal de John é George Harrison.

I WANNA BE YOUR MAN

Originalmente, Paul começou a escrever esta música para Ringo, mas deixou de lado para resolver o problema do middle-eight mais tarde.

Em setembro de 63 Paul, de dentro do táxi em que estava com John, viu o Andrew Oldham (empresário dos Rolling Stones) e pediu ao motorista que parasse. Oldham  foi apanhado, e os três acabaram indo até o estúdio onde os Stones ensaiavam. Quando John e Paul souberam que os Stones precisavam de uma música, eles mostraram o trecho já composto de `I Wanna Be Your Man`. Brian Jones disse que embora os Stones tivessem gostado, não haveria tempo, uma vez que a Decca (gravadora do Stones) estava pressionando a gravação imediata de um compacto.

John e Paul foram então para um canto do estúdio e acabaram de compor, causando grande espanto a Mick Jagger e Keith Richards, que logo após se entusiasmaram para também compor suas próprias músicas.

DEVIL IN HER HEART

O original do grupo feminino The Donays, em 1962, era `Devil in His Heart`.

John faz estranhos vocais de apoio.

NOT A SECOND TIME

Consta que George e Paul não estiveram presentes nesta gravação, ficando então o seguinte: John com violão e vocais, Ringo com a bateria, George Martin com o piano.

Esta música provocou o famoso comentário a respeito das cadências aeólicas, feito pelo crítico William Mann, do London Times.

Sobre este comentário, John disse: “Até hoje eu não tenho a menor ideia do que são estas cadências aeólicas.  Parecem mais pássaros exóticos.”

MONEY (THAT’S WHAT I WANT)

Original de Barrett Strong, de 1959. John incluiu a frase “I want to be free”.

Esta gravação mostra a perfeita combinação das vozes de John e Paul (voz principal e altas harmonias respectivamente)  ao cantar “do fundo da garganta”.

No próximo número,  LP  A HARD DAY’S NIGHT

(Revolution, São Paulo, ano 1, n.2, p. 44-45, jan. 96)